domingo, 25 de julho de 2010

FLASHBACK # 3

Tinha 13.
Ou por lá perto...
Sim!, eu teria uns 13 anos e era Sábado.
Primavera?
Talvez...

Nesse tempo, havia aulas aos Sábados, de manhã.
Nesse tempo, nós tínhamos aulas aos Sábados de manhã!

Acordo.
Cedo?, ou tarde?
Isso, já só Deus se lembra.

Nesse tempo, custava-me um pouco levantar cedo.
Nesse tempo, se me deixassem, dormia 10 horas seguidas.
Nesse tempo, NÃO DEIXAVAM!
Nesse tempo, não se deixava, dot.sem (argumentos, claro!). Dot.com uma sensação de tirania exercida sobre os mais fracos.

Saí da cama.
Levantei-me, portanto.
Começava a acordar. Devagarzinho... parte... por... parte... até abrir os olhos.
E os ouvidos. Que ouviram.
Ouviram minha Mãe bradando, corredor adentro, corredor afora.
“Só me dão desgostos!... É só para isso que servem; é só isso que sabem fazer...”, choramingava a mais doce, a mais bela das Mulheres. A mais extremosa das Mães.
“A-Mais-Velha já fez das suas!...”, julguei.
Julgamento feito na pessoa de MC, minha Irmã mais velha.

Nesse tempo era fácil, e por isso frequente, atribuir culpas a MC, A-Mais-Velha.
Nesse tempo, MC dava muito material para isso.

Saí do quarto.
Ao cruzar-me com a Mãe, beijei-a e desejei-lhe um bom-dia, como era hábito.
O que não era hábito, era minha Mãe reagir e responder-me tão secamente!...

Nesse tempo, (quase sinto nostalgias...),
nossos cumprimentos eram muito lambuzados, muito repenicados...
Nesse tempo, namoriscávamos um pouco, minha Mãe e eu.

“Homessa!...”, espantei-me cá para o meu dentro.
“Se a Mãe me cumprimenta deste modo,
... numa manhã...
... e uma manhã de Sábado...”, eu começava a tirar conclusões...

Nesse tempo, era comum termos que resolver equações bizarras,
lá em casa, antes mesmo do pequeno-almoço.

“Ora, bem: se a Mãe me recebe assim... e, à primeira vista,
MC não está em contacto...”, constatava eu,
deitando o olho ao seu quarto, mesmo ao lado do meu.
“... Ora", seguia o meu raciocínio, "... A-Mais-Nova,
está fora de questão!”, disso eu não duvidava!

Nesse tempo, MP, a Mana mais nova, estava acima de QUALQUER SUSPEITA!
Nesse tempo, A-Mais-Nova era o “Torrãozinho-de-Açúcar”,
“O-Botãozinho-de-Rosa”.
Nesse tempo, MP era mesmo inocente, fosse lá do que fosse.
Nesse tempo, qualquer um punha suas mãos no fogo por MP.
Bem..., quase qualquer um...

Não havendo mais filhos, não havia mais presumíveis culpados.
Não restavam muitas hipóteses: “Bem, só posso ter sido eu!”, conclui.
“Mas que raio terei eu feito, que tamanha dor causasse no
amoroso coraçãozinho da mais bela das criaturas???...”, buscava eu nas gavetas e prateleiras do meu cá dentro.

Nesse tempo, a atenção que me era concedida era tão pouca...
Nesse tempo, eu fazia qualquer coisa que contentasse a Mãe...
Nesse tempo, todas as minhas desobediências, todos os meus
disparates, criancices... não chegavam a fazer mossa...
Nesse tempo, não havia consequências graves ou visíveis
por conta das minhas obras.
Nesse tempo, eu já fazia das minhas!

Segui caminho.
Optei, pelo-sim-pelo-não, por 'não me aperceber' que havia caso.
Entrei para o duche.
Saí do duche.
Entrei no quarto para me vestir.
Saí, pronto para o rápido pequeno-almoço.

Nesse tempo, ainda tomava pequeno-almoço antes de ir para a Escola.
Nesse tempo, ainda tomava pequenos-almoços.

Num meio-tempo...
algures, entre o meu quarto e o pequeno-almoço, minha Mãe,
por fim, aborda-me:
“Olha, lá: tu andas a fumar.”, disse.
Disse. Sem pontuação.
Não era uma exclamação...
Tampouco uma interrogação.
Mas não era, também, contudo, uma afirmação.

Nesse tempo, até então, nunca tinha ouvido alguém falar sem pontuação.
Nesse tempo, ainda havia muito que eu nunca tinha.

“Vieram dizer-me que te viram a fumar na Escola!”, continuou,
desta vez já havia veemência na sentença.
Eu neguei.
Eu espantei-me.
Indignei-me.
Eu insurgi-me.
Eu...
Eu não ganhei o Óscar
porque não fui nomeado.
Eu morreria negando tal.

Nesse tempo, eu não tinha inimigos...
Nesse tempo, eu também não tinha amigos...

Enquanto contracenava com o verdugo, ia crivando e descartando
os nomes duma lista de possíveis bufos.

Nesse tempo, frequentemente, a nossa actividade intelectual tinha início muito antes de nos sentarmos na carteira da Escola.
Nesse tempo, frequentemente,
antes mesmo, de nos sentarmos à mesa do pequeno-almoço.

“Mas viram-te!”, insistiu.
“Pois... terão visto mal!”, defendi-me.
“Confundiram-me com alguém. Lá na Escola,
toda a gente fuma na Sala de Convívio... Se calhar era outro qualquer...
... que talvez estivesse próximo de mim...”, argumentava, esquivando-me.
Argumentava, esquivando-me e remoendo o meu cá dentro!
“Ããããããmmm... Hummmm...”:
MATAVA a CHARADA!:
Só havia um alguém que, me conhecendo a mim, conhecesse
minha Mãe - chegando-lhe às falas e coexistisse na mesma escola que eu.
Cabra! Grande cabra!!!”, revoltei-me cá para dentro.
“Que motivos teve aquela mosquinha-morta para me denunciar?”
“Eu que sempre fui simpático para ela...”
.
A minha argumentação e o meu trabalho facial pareciam haver convencido a Mãe.
A Escola estava à minha espera, não esperando por mim.
Voltei ao quarto.
Voltei ao quarto para pegar nos Livros e Cadernos.

Nesse tempo, eu adorava levar para a Escola os Livros,
os Dossiers, o Estojo... TUDO... empilhado debaixo do braço.
Nesse tempo, tinha fôlego e genica para isso.

Possivelmente, escolhi um pull-over para pôr nos ombros.
De certo, verifiquei se o colarinho da camisa estava impecavelmente composto.
E, sem qualquer dúvida, foi
detrás da colecção dos Livros de Júlio Verne - que morava na mesma prateleira onde moraram “Os Cinco”, “Os Sete”, “A Colecção Mistério” e todo o aventuroso mundo de Enid Blyton, e onde, de entre outras tantas preciosidades, também lá habitaram: o “Aconteceu nas Berlengas” de Margarida Castel-Branco, soberbamente ilustrado pela própria, ou o “Emílio e os Detectives” de Eric Käztner, ou “Poly em Espanha” de Cécile Aubry, ou o “Fernão Capelo Gaivota” de Richard Bach, ou, ainda, de José Mauro de Vasconcelos:
O meu Pé de Laranja Lima” e “Vamos Aquecer o Sol”....
Sem qualquer dúvida, foi detrás dessa muralha.
Detrás dessa muralha que me guiou nesse tempo e noutros tempos, que,
sem qualquer dúvida,
sorrateiramente, retirei o maço de SG Filtro e,
furtivamente o re-escondi no, original, cano das meias, sob a calça esquerda.
Tenho a certeza que era a esquerda.
.
Com o mesmo ar seráfico, mas marcadamente ofendido,
insultado,
injuriado,
injustiçado

beijei minha Mãe: “Até logo.”
“Até logo, filho! Levas dinheiro contigo?”
“Sim, Mã!”
“Vê se comes algo a meio da manhã, ouves-me?”, recomendava-me enquanto o elevador descendia rumo ao R/C... e eu rumo à clandestinidade.
.
(Tinha, agora, que me pôr em guarda!... A GRANDE CABRA!)

2 comentários:

  1. adorei!!!
    estou a ver-te,
    ofendido,
    insultado,
    injuriado,
    injustiçado!
    tal e qual os nossos filhotes... que nunca fazem, que nunca são eles os causadores dos males inexplicáveis que, frequentemente parecem acontecer por obra e graça do Espírito Santo!
    qto a ti... reconheço-te em cada frase, em cada palavra ...
    bjos

    ResponderEliminar
  2. Aqui me dispo!

    E...
    "Quem sai aos seus..."

    bjos

    ResponderEliminar