sexta-feira, 16 de julho de 2010

FLASHBACK # 2

Haveria de ser Setembro.
Só poderia ser Setembro!
Nessa época, só em Setembro meu Pai se juntava ao resto da Família para gozar as suas férias de Verão. E ele era presente neste episódio. Figurava, não mais. Mas estava; logo, era Setembro.

Saíamos da praia para almoçar e, logo depois, passar pelas brasas (aqueles que eram disso; eu cá não era! E quem o é aos dez anos?).

Ao largo daquelas toalhas estendidas, um saco de palha doirada, asas e remates vistosos de cores vivas e saturadas, entreaberto. E um maço de SG Ventil.
Parecia querer ajuda para sair da sacola... Parecia chamar por mim...
Ao passar por ele... não resisti. O cinza que vestia o maço, o celofane, ao sol, brilhava... pareciam prata e vidro.

Nestas entradas e saídas, havia sempre alguém que ficava para trás – se não era a Mãe ajoujada com os seus pertences + os baldes e pazinhas + toalhas de três filhos... era eu. Molengão!

Nesse final de manhã, hipnotizado por aquele paralelepípedo e pelo seu chamamento, deixei cair, ‘por acidente’, o saco que eu mesmo transportava. Junto àquelas toalhas ‘abandonadas’ pelos banhistas, seus donos, todo o conteúdo da minha sacola se espalhou, como fiz que acontecesse.
Enquanto o resto da Família ia avançando para a saída da praia, eu ia demorando a recolher o que, propositadamente, fizera verter (o boião de Creme Nívea, os calções de banho ainda molhados, um pente talvez, forminhas com formato de estrela-do-mar, em forma de concha-vieira, em forma de barquinho, em forma de)... ganhando tempo e calculando o momento propício para agarrar o maço juntamente com algo que legitimamente me pertencesse – como se traçasse um estratagema para salvar uma princesa encerrada numa torre muito alta.
Depois corri para o carro, que meu Pai já havia posto a trabalhar ao mesmo tempo que praguejava qualquer coisa acerca da minha demora:
“É sempre a mesma pessegada! Mas por que raio nunca estão todos juntos ao mesmo tempo? O que é que aconteceu, agora, ao rapaz?”, parecia excluir-se do grupo... talvez fosse apenas uma maneira de dizer a coisa... mas isso não interessa agora.

O almoço decorreu de modo razoavelmente normal, como costumava acontecer.
Bem, talvez tenha caído ao chão um garfo ou uma faca; talvez alguém tenha franzido o nariz à terrina da sopa; talvez algum guardanapo, ou a toalha, tenha ganho uma pastilha elástica colada à socapa.
O almoço decorreu de modo razoavelmente normal, como costumava acontecer.

Eu tudo fiz, recordo bem, para não sobressair... Não me convinha mesmo nada!

Assim que terminei a refeição, muito calmamente, pedi licença para me levantar e me retirar.
Licença concedida. Beijo à Mãe. Beijo ao Pai (ou qualquer coisa quase parecida com isso – um esboço, um esquiço, um paleo-cumprimento intervindo, levemente, os meus lábios e a sua barba).

Fui ao quarto buscar o fascinante pacote cinzento e, com ele num bolso qualquer, saí. Já tinha comigo dois terços de quanto precisava (liberdade e cigarros). Faltava-me algo para fazer lume... Não o podia pedir a alguém... Lembrei-me, então, que por detrás da imagem de Sto Inácio costumava haver uma caixa de fósforos para acender uma velinha ao Santo. Fui buscá-la, e então, corri até aos canaviais que proliferavam por aquela zona, chegando a fazer de muros de fronteira entre terrenos. Aí seria o lugar ideal para experimentar o meu PRIMEIRO CIGARRO. Suficientemente afastado da casa; suficientemente denso para me sentir em segurança.
Provido de tudo, bastava-me recordar o que minha Irmã mais velha (então com 14 anos e fumadora clandestina) me dissera uma vez que lhe perguntara como se fumava: “É pá, é fácil! Pões o cigarro na boca... a ponta que tem o filtro. E depois, é pá, acendes o isqueiro e pões o lume na outra ponta. Depois, pá, puxas como se fosse uma palhinha. Assim, ‘tás a ver?”, exemplificou, “E engoles o fumo... mas depois deitas o resto fora.”, e fez sair pela boca e pelas narinas uma fumaça acinzentada, parecida com as das chaminés das fábricas. (Parecia, também, um Cuspidor-de-Fogo, daqueles do Circo). “Vês? É fácil.”
É, de facto, parecia.
No canavial, procedi, passo-a-passo, a todo o ritual que recordava ter ouvido relatar.
Do maço de SG Ventil, já aberto pelo legítimo dono, puxei um cigarro; da caixa de fósforos retirei um que fiz raspar na lixa. Cheguei a chama à extremidade do cigarro e suguei... o cigarro acendeu. (Até aqui, tudo estava correcto). E engoli o fumo que havia sugado por aquele tubo branco cheio de serradura escura.

Conheci, então, um dos maus momentos da minha recente TeenAge.
.
Tossi, tossi, tossi. Tossi muito. Tossi tanto! E senti-me tonto, e sentei-me agoniado...
Deitei para o chão o cigarro, ainda inteiro. Não me recordo de o ter apagado. Sei, contudo, que não aconteceu nenhum incêndio. Só eu estava queimado: a garganta arranhada, uma sensação bizarra nas narinas e... uma tontura, uma agonia que não queriam passar.
Voltei a casa.
Bebi água.
Em nada melhorei.
Fui deitar-me. Acabei adormecendo. A ocorrência levantou questões: “Sentes-te bem, filho?”, perguntava-me a Mãe, “Mais-ou-menos.”, respondi debilmente, “Dói-me a cabeça. Se calhar apanhei muito sol na praia...”, avancei, tentando justificar aquela inusitada sesta.
Aparentemente, a justificação pareceu satisfazer a preocupação materna.
O pior estava, ainda, para acontecer, na manhã do dia seguinte.

2 comentários:

  1. li este texto no próprio dia...
    chorei, chorei mto de emoção...
    a prosa, linda, o realismo, a "permissão" de entrar nas tuas histórias de vida, deixaram-me sem comentários!
    hoje, relido o texto, reavalio com, ainda, mais adjectivos positivos: consigo visualizar tudo, a cena, o teu pai e os seus esgares e comentários, a tua mãe e até os "ensinamentos da mais velha".
    os "nossos" têm agora 10 anos ...
    às vezes penso que, de dentro de qualquer uma das nossas mochilas, um qualquer maço de tabaco, cinzento ou de qualquer outra cor, possa ser uma verdadeira tentação e isso deixa-me arrepiada.
    como tu dizias outro dia: nós, pais, que somos os seus modelos, temos mesmo de ser bons modelos! E ... já o somos!!!

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  2. Sabes?, esse é um medo que atormenta, entre tantos outros (nos quais inclui, por volta dos 5 anos deles, um acidente... um atropelamento).

    Mas, ao mesmo tempo que esse medo me enfrenta, outras imagens me serenam...
    Lembra-te:
    Hoje em dia, não se pode vender tabaco a menores;
    Os nossos Filhos têm tido uma INFORMAÇÃO e uma FORMAÇÃO muito ANTI-TABACO. São eles que nos pressionam e chantageiam para que deixemos de fumar. Muito como acontece com o lixo, a reciclagem e a separação;
    Eles são, hoje em dia, um recuso didático, para adultos, poderosíssimo!

    Eu acredito que os nossos Filhos pertencem a uma geração de NÃO-FUMADORES-FUNDAMENTALISTAS.

    E atentos às nossas histórias e aos nossos esforços de remediar os nossos erros, eles bebeficiam de bons exemplos e de boas razões para não tentarem.
    Para não serem tentados.

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